sexta-feira, 18 de março de 2011

Capitanias Hereditárias

 Primeira estrutura de governo colonial - extremamente descentralizada - implantada pela metrópole para funcionar em todo o território brasileiro. Em 1532, dom João III anuncia sua intenção de dividir a colônia em 15 amplas faixas de terra e entregá-las a nobres do reino, os capitães donatários, para povoá-las, explorá-las com recursos próprios e governá-las em nome da Coroa. Essas faixas são de largura bastante diversa, podendo variar de 150 km a 600 km, e estendem-se do litoral para o interior até a linha imaginária de Tordesilhas. Entre 1534 e 1536, dom João III implanta 14 capitanias, concedidas a 12 donatários, que se vieram somar àquela doada em 1504 a Fernão de Noronha pelo rei dom Manuel.

 Direitos e deveres –Nas Cartas de Doação é fixado o caráter perpétuo e hereditário das concessões. Em troca do compromisso com o povoamento, a defesa, o bom aproveitamento das riquezas naturais e a propagação da fé católica em suas terras, o rei atribui aos donatários inúmeros direitos e isenções. Cabe aos donatários distribuir sesmarias - terras incultas ou abandonadas -, aos colonos, fundar vilas com suas respectivas Câmaras Municipais e órgãos de justiça, além do direito de aprisionar índios. São também isentos do pagamento de tributos sobre a venda de pau-brasil e de escravos. O sistema de capitanias implantado no Brasil não é original. 

Baseia-se em experiências anteriores de concessão de direitos reais à nobreza para engajá-la nos empreendimentos do Estado português nas Índias, na África, nas ilhas do Atlântico e no próprio reino.

 Falência do sistema –Na sua maior parte, as capitanias brasileiras não conseguem desenvolver-se por falta de recursos ou por desinteresse de seus donatários. No final do século XVI, apenas as capitanias de Pernambuco (de Duarte Coelho) e de São Vicente (de Martim Afonso de Souza) alcançam certa prosperidade com o cultivo da cana-de-açúcar. É esse quadro pouco animador que leva a Coroa portuguesa a instituir um governo mais centralizado e capaz de uma ação mais direta - o Governo Geral estabelecido em 1548. No século XVII, outras capitanias são criadas para ocupar a Região Norte.
 
Cada vez mais enfraquecidas e progressivamente retomadas pela Coroa, as capitanias acabam extintas em 1759. Mas deixam sua marca na ocupação do território, sobretudo da faixa litorânea, e na formação política do país. Além de fixar o nome de muitos dos atuais estados brasileiros, as capitanias dão origem a uma estrutura de poder regional que ainda se mantém atuante. 
 
 
 Capitanias hereditárias, Carta de d. João III sobre a colonização do Brasil
 "Lisboa, 28 de setembro de 1532
 
Martin Afonso amigo. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Vi as suas cartas que me escrevestes por João de Sousa, e por ele soube da vossa chegada a essa terra do Brasil, e como íeis correndo a costa, caminho do Rio da Prata, e assim, do que passastes com as naus francesas dos corsários, que tomastes, e tudo o que nisto fizestes, vos agradeço muito.................................
 
Depois de vossa partida se praticou, se seria meu serviço povoar-se toda esta costa do Brasil, e algumas pessoas me requeriam capitanias em terras dela.
 
Eu quisera antes de nisso fazer coisa alguma, esperar por vossa vinda para com vossa informação fazer, o que me bem parecer, e que na repartição, que disso se houver de fazer escolheis a melhor parte e, porém, porque depois fui informado, que de algumas partes faziam fundamento de povoar a terra do dito Brasil, considerando eu com quanto trabalho se lançaria fora a gente, que a povoasse depois de estar assentada na terra, e ter nela feitas algumas forças como já em Pernambuco começavam a fazer, segundo o Conde de Castanheira vos escrevera, determinei de mandar demarcar de Pernambuco até o rio da Prata cinqüenta léguas de costa a cada capitania e antes de dar a nenhuma pessoa, mandei apartar para vós cem léguas, e para Pero Lopes, vosso irmão, cinqüenta nos melhores limites desta costa por parecer de pilotos, e de outras pessoas por quem o Conde por meu mandado se informou, como vereis pelas doações que logo mandei fazer..."
 Fonte: GASMAN, Lydinéa. Documentos Históricos Brasileiros. Brasília: MEC/FENAME, 1976.
   
Capitanias hereditárias, documento de doação da Capitania de Pernambuco
 
 "Faz El-Rei mercê a F... de uma capitania na costa do Brasil com ... léguas de extensão pela mesma costa. 

Com todas as ilhas que se acharem dez léguas ao mar fronteiras a ela, e pelos sertões adentro com a extensão que se achar a capitania doada e inalienável, e transmisshível por herança ao filho varão mais velho do primeiro donatário, e não partilha com os mais herdeiros. O donatário chamar-se-á perpetuamente capitão e governador, e os seus sucessores conservarão o apelido de família de que ele tiver usado, sob pena de perda da capitania. O capitão tem direito:
 
A todas as marinhas de sal, moendas de água e quaisquer outros engenhos, que se levantarem na capitania, não podendo pessoa alguma fazê-lo sem licença sua, e sem lhe pagar foro em que convierem.
 
A resgatar escravos em número indeterminado, podendo enviar cada ano trinta e nove para Lisboa, e não para outra parte, e dispor deles livremente, sem pagar imposto algum; e além daqueles quantos mais houver mister para marinheiros e grumetes de seus navios.
 
A vintena líquida do que render o pau-brasil, visto o cuidado que com ele há de ter, e reservá-lo El-Rei para si, assim como toda a espécie de drogas e especiarias, com exclusão do mesmo capitão, e mais moradores, sob pena de confiscação de todos os seus bens e degredo perpétuo para a ilha de São Tomé. Ser-lhes-á contudo permitido servirem-se do pau-brasil para o seu uso pessoal, contudo que não o queimem, nem façam dele comércio, sob penas citadas. Compete mais ao capitão:
 
Criar vilas com seu termo, jurisdição, liberdades e insígnias respectivas, segundo o foro e os costumes do reino, onde o julgar mais conveniente, quanto à costa e os rios navegáveis; quanto ao sertão, porém, só as poderá erigir em distâncias de seis léguas de umas às outras, de modo que fiquem a cada uma três léguas de termo. Os respectivos termos serão desde logo assinados, de dentro deles não se criarão outras vilas de novo, sem licença de El-Rei.
 
Exercitar com toda a jurisdição civil e criminal:
 
Superintendendo por si ou por seu ouvidor, na eleição de Juízes e oficiais, alimpando e apurando as pautas, e passando carta de confirmação aos eleitores, que servirem em seu nome.
 
Criando ouvidor e nomeando-lhe meirinho, escrivão e mais oficiais necessários e costumados no reino, assim na correção da ouvidoria, como nas vilas e lugares da capitania.
 
No crime o capitão e seu ouvidor têm jurisdição conjunta com alçada até pena de morte inclusive em escravos, gentios, peões cristãos e homens livres, em todo e qualquer caso, assim para absolver como para condenar, sem apelação nem agravo.
 
Nas pessoas de mor qualidade, porém a alçada vai só até dez anos de degredo e cem cruzados de multa, salvo nos crimes de heresia, traição, sodomia e moeda falsa, nos quais a alçada se estende até a pena de morte inclusive, qualquer que seja a qualidade do réu, e a sentença se dá à execução sem apelação nem agravo, apelando-se somente por parte da Justiça quando o réu absolvido da pena de morte se der outro menor.
 
Atendendo El-Rei, a que muitos vassalos, por delitos que cometem andam foragidos, se ausentam para reinos estrangeiros, sendo aliás de grande conveniência que fiquem no reino e senhorios, e sobretudo que passem para as capitanias do Brasil, que se vão de novo povoar. Há por bem declará-los couto e homizio para todos os criminosos que nela quiserem ir morar, ainda que já condenados por sentenças até a pena de morte, excetuados somente os crimes de heresia, sodomia, traição e moeda falsa. Por outros quaisquer crimes não serão de modo algum inquietados; e passados quatro anos de residência em capitania, poderão vir ao reino e tratar de seus negócios, contanto que tragam guia do capitão, e sob a condição de não poderem ir nem à corte nem no lugar onde houver cometido o malefício, nem demorar-se no reino mais de seis meses, sob pena de lhes não valer o seguro. Voltando ao Brasil, e passando mais quatro anos, poderão vir outra vez ao reino, e assim sucessivamente, sempre com as mesmas condições.
 
Nas terras da capitania não entrarão em tempo algum nem corregedor nem alçada nem alguma outra espécie de Justiça para exercitar jurisdição de qualquer modo em nome de El-Rei.
 
Além da dízima dos frutos da terra, já declarada, pagar-se-á a El-Rei o quinto de todas as pedras preciosas, coral, prata, cobre e chumbo e do quinto se deduzirá o dízimo para o capitão.
 
À exceção de escravos, pau-brasil, especiarias e drogas, poderão o capitão e os moradores enviar quaisquer produtos da terra para comércio a quaisquer cidades ou parte do Reino, ou para o estrangeiro, livremente, e segundo lhes mais convier, sem sujeição a algum outro imposto além da sisa, e sem embargo dos forais em contrário das ditas partes ou cidades.
 
Quanto a mantimentos, armamentos e munições de guerra, todos, nacionais e estrangeiros, poderão levá-los ao Brasil, e vendê-los livremente, sem pagar direito algum, aos moradores uma vez que estes sejam cristãos, porque a pessoa alguma, quer do reino, quer fora dele, é permitido negociar com os gentios, e só e tão-somente com o capitão, moradores e povoadores, pena aos contraventores de perderem em dobro do valor das mercearias.
 
Os moradores e povoadores serão obrigados a servir com o capitão em tempo de guerra.
E mais a pagar aos alcaides-mores das vilas e povoações todos os foros, direitos e tributos que competem aos do reino e mais senhorios, segundo as ordenações.
Mas por fazer mercê aos ditos moradores e capitão há El-Rei por bem em nenhum tempo haja na capitania direitos de sisa, saborias, tributos de sal, nem outro algum, além dos conteúdos do foral." 
Fonte: GASMAN, Lydinéa. Documentos Históricos Brasileiros. Brasília: MEC/FENAME, 1976.
 
Donatários das capitanias hereditárias
 
Aires da Cunha, navegador – 1ª capitania do Maranhão
Fernando Álvares de Andrade, tesoureiro-mor do reino – 2ª capitania do Maranhão
Antônio Cardoso de Barros, cavaleiro-fidalgo – Ceará
João de Barros, feitor e tesoureiro da Casa da Índia – Rio Grande
Pero Lopes de Sousa, navegador – Itamaracá
Duarte Coelho, soldado da Ásia e navegador – Pernambuco ou Nova Lusitânia
Francisco Pereira Coutinho, soldado da Índia – Bahia de Todos os Santos
Jorge de Figueiredo Correia, escrivão da fazenda – Ilhéus
Pero do Campo Tourinho, rico proprietário e navegador – Porto Seguro
Vasco Fernandes Coutinho, soldado do Oriente – Espírito Santo
Pero de Góis, participante da espedição de Martin Afonso de Souza – São Tomé
Martim Afonso de Souza, chefe da primeira missão colonizadora portuguesa – São Vicente
Pero Lopes de Sousa, navegador – Santo Amaro
Pero Lopes de Sousa, navegador – Santana

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